A recente decisão proferida pela Quarta Turma do STJ, nos autos do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 2.355.307/SP, trouxe importante orientação quanto à possibilidade de um dos herdeiros adquirir, via usucapião extraordinária, imóvel que integra espólio ou inventário, desde que preenchidos requisitos específicos.
O que o caso decidiu
No caso em tela, tratava-se de imóvel objeto de inventário em curso, sobre o qual um dos herdeiros exercia a posse, de modo exclusivo, por longo período, enquanto os demais co-herdeiros não atuavam efetivamente na administração, conservação ou cobrança de benfeitorias.
O tribunal entendeu que, nesse contexto, há legitimidade e interesse processual para que esse herdeiro ingresse com ação de usucapião extraordinária em nome próprio e não apenas como partícipe de divisão do condomínio hereditário. Em outras palavras: o fato de o bem integrar a herança — com abertura de sucessão e transmissão automática aos herdeiros — não impede, por si só, a usucapião promovida por um deles, desde que ele demonstre que atua como proprietário exclusivo, com os requisitos legais atendidos.
Qual a relevância dessa decisão?
Para pessoas que herdam imóvel — seja rural ou urbano — e passam a ficar de fato responsáveis pelo bem (pagam impostos, fazem conservação, ocupam-no como moradia, impedem uso indevido por terceiros ou pelos demais herdeiros), essa linha jurisprudencial abre caminho para que considerem a usucapião como instrumento de regularização da propriedade em seu nome. Por outro lado, para co-herdeiros que não atuam e se mantêm omissos, a decisão alerta para o risco de perda de controle sobre o bem.
Quais são os requisitos essenciais que devem ser observados?
A decisão reitera que, apesar da transmissão sucessória e da existência de condomínio entre herdeiros, a usucapião poderá ocorrer se verificados:
• Posse exclusiva do herdeiro requerente — ou seja, ele exerce os poderes inerentes à propriedade com efetivo animus domini (intenção de dono), e não mera tolerância ou permissão dos demais co-herdeiros.
• Posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo prazo exigido para usucapião extraordinária (ou outra modalidade aplicável no caso).
• Ausência de oposição eficaz dos demais condôminos (co-herdeiros) ou terceiros que impeçam a consolidação da posse.
• Legitimidade do herdeiro para pleitear a usucapião — o STJ afirma que existe interesse processual, ou seja, ele não está impedido de agir, mesmo havendo inventário em curso.
Pontos de atenção e cuidados práticos:
• Importa avaliar com atenção o estágio do inventário ou partilha: embora o STJ tenha reconhecido a possibilidade da usucapião enquanto persiste o inventário, cada caso exige análise dos fatos (tempo de posse, quem exerce, pendências, se há contratos formalizados, dentre outros).
• A caracterização da posse como exclusiva é ponto central — se o herdeiro apenas ocupa o imóvel em conjunto com os demais ou com base em autorização (ex: simples tolerância), dificilmente será qualificada como posse para usucapião.
• A intervenção de co-herdeiros faz diferença: oposição formal, cobrança de aluguel ou reclamação de uso pode impedir a contagem do prazo ou indicar mero detentor, e não possuidor.
• É essencial documentar: pagamento de impostos, encargos, benfeitorias, manutenção, ocupação contínua, exclusão (ou prova de que os demais não exerceram atos de copossessão) — esses elementos reforçam o animus domini e a exclusividade.
• Para os co-herdeiros ausentes ou inertes, trata-se de alerta: o silêncio, a omissão ou a inatividade podem favorecer o herdeiro ativo que busque usucapião. Assim, manter controle e participar da gestão ou cobrar formalmente o outro condômino pode impedir que ele adquira o bem sozinho.
Conclusão
A decisão do STJ no AgInt no AREsp 2.355.307/SP representa marco relevante para a jurisprudência de usucapião em face de imóveis pertencentes à herança.
Ao reconhecer a legitimidade e interesse de herdeiro que exerce posse exclusiva, ela reforça que a herança não cria obstáculo absoluto à usucapião — desde que presentes os requisitos de fato. Para quem herda imóvel e atua sobre ele, a medida pode apresentar-se como caminho para a titularização plena; para quem figura como co-herdeiro, é preciso agir para preservar seus direitos.
Se você está numa situação em que herdou um imóvel, ocupa-o ou administra-o sozinho, ou ao contrário, está entre os herdeiros e vê outro exercer exclusividade, vale consultar um advogado especializado para avaliar a possibilidade de usucapião, ou tomar providências preventivas.
Nosso escritório está à disposição para orientar com clareza e segurança sobre esse tema e demais questões de direito sucessório e imobiliário.