Conceito e limites legais
No direito civil brasileiro, a legítima representa a metade do patrimônio do doador que deve ser reservada aos herdeiros necessários — como descendentes (filhos, netos), ascendentes (pais) e o cônjuge. A outra metade é denominada parte disponível, da qual o doador pode dispor livremente, seja por testamento ou doação.
Quando acontece uma doação que ultrapassa essa parte disponível, o ato é juridicamente caracterizado como “doação inoficiosa”, pois prejudica a legítima dos herdeiros necessários (filhos, pais, cônjuge), que têm direito a essa reserva de 50% dos bens do doador.
Nos termos do artigo 549 do Código Civil, “nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento”.
Nulidade da doação e o momento decisivo
A regra de invalidade da doação se aplica apenas à parcela que excede o limite legal — ou seja, há nulidade parcial, preservando-se a parte da doação que esteja dentro da parte disponível. Para calcular esse excesso, deve-se considerar o patrimônio do doador no momento da doação, e não no momento de seu falecimento ou abertura da sucessão.
Quem pode contestar — e como se dá a reparação
Os herdeiros necessários são pessoas autorizadas a contestar a doação por meio da chamada Ação de Redução ou Ação Declaratória de Nulidade Parcial, requerendo que seja devolvida ao patrimônio hereditário a parcela doada que ultrapassou os 50% permitidos, assegurando-se, assim, o pagamento correto da legítima. Há debate entre a doutrina e jurisprudência sobre a existência de prazo prescricional para essa ação. Parte entende que, por se tratar de nulidade absoluta (art. 169 do Código Civil), o direito é imprescritível. Mas predominam decisões do STJ que reconhecem a prescrição, geralmente de dez anos (ou até vinte, conforme o caso), contados a partir do registro do ato.
Exceção: doações a descendentes e cônjuge — colação
Há uma observação relevante a ser feita: doações a descendentes ou ao cônjuge geralmente são tratadas como “adiantamento da legítima”.
Isso significa que esses beneficiários devem colacionar — ou seja, trazer a doação ao inventário e compensar com a herança, para que todos os herdeiros tenham partes iguais dentro da legítima (50%).
Por exemplo: se um pai doa 60% do patrimônio a um filho, esse filho terá de colacionar (informar) os bens recebidos nesse montante e, eventual excesso (10%), será rateado entre os demais, preservando-se a igualdade das cotas partes de cada herdeiro.
Outro exemplo que chama atenção é quando um pai doa 50% (parte disponível) de seu patrimônio a um único filho, fazendo constar nessa escritura de doação a chamada cláusula de dispensa de colação.
Nesse caso, o herdeiro que foi beneficiado com essa doação de 50% não precisará levar essa informação no momento do inventário, porque o pai não ultrapassou o limite da parte que ele poderia doar, respeitando-se, assim, a legítima (ou seja, os outros 50% do patrimônio).
Assim, esse herdeiro que recebeu a metade do patrimônio do pai a título de doação, ainda participará da divisão da outra metade (parte legítima), em parte iguais com os demais herdeiros.
Em síntese:
- Doações acima da legítima (50%) são nulidades parciais;
- O cálculo considera o patrimônio na data da doação;
- A nulidade não depende da vontade dos herdeiros e pode ser invocada judicialmente para proteger a legítima;
- Ação de Redução ou Ação Declaratória de Nulidade Parcial pode ter prazo prescricional, conforme entendimento jurisprudencial;
- Doações a descendentes ou cônjuge têm tratamento distinto: são adiantamentos da legítima, sujeitas à colação;
- Havendo doação de patrimônio que não ultrapasse a parte legítima (50%) e com cláusula de dispensa de colação, esse patrimônio doado não será considerado como adiantamento de legítima.
Isso reforça a importância de um planejamento sucessório bem feito, em que a situação apresentada pelo(s) cliente(s) será analisada de forma cuidadosa e estratégica pelo advogado especialista.